Uma arca virtual para as maravilhas da Natureza
O desafio interminável de observar e registar a criatividade do mundo natural
Abril 06, 2021
Pedro
O mundo natural é a fonte inesgotável de inspiração da Arca de Darwin, o blog onde o Miguel Monteiro coleciona e partilha algumas das provas de criatividade da Natureza. Quase a assinalar 9 anos de existência, fomos conhecer um pouco melhor o Miguel e a sua motivação para manter um blog dedicado ao naturalismo.
SAPO Blogs: Miguel, o blog tem uma página Sobre, bastante completa, mas pergunto na mesma: o que podemos saber sobre o piloto desta Arca?
Miguel: Não sei bem o que acrescentar… Tenho 47 anos, nasci em Angola, vivi um ano na Austrália onde tive a oportunidade de trabalhar durante seis meses como voluntário num centro de recuperação de animais selvagens, o que foi uma das experiências mais enriquecedoras e gratificantes da minha vida. Entretanto, a biologia e o jornalismo ficaram de lado e, actualmente, faço traduções e revisões de livros. E estou ansioso para que o confinamento acabe para poder ir a um bar de praia comer uma salada de polvo e beber umas cervejas.
O blog é um convite à observação e ao fascínio perante a infinita criatividade da Natureza. Como naturalista, a Natureza ainda lhe reserva surpresas? Ou a certa altura, com a experiência e o conhecimento, torna-se um pouco mais previsível?
Há inúmeras surpresas. É sempre entusiasmante encontrar uma espécie nova, ou descobrir curiosidades sobre as adaptações das espécies, ou sobre as suas relações com outras espécies e com os humanos.
A mudança constante da natureza também é surpreendente, como as paisagens que mudam de estação para estação ou, até, ao longo do dia. Por exemplo, o escritor argentino Jorge Luis Borges dizia que «É sempre comovente o pôr-do-sol por indigente ou berrante que seja».
A Arca já tem quase uma década de existência. De que modo evoluiu o blog neste período de tempo? A forma como o usa hoje em dia, difere muito dos propósitos originais?
O objectivo continua a ser o mesmo, mas claramente há mais fotos e menos texto, e a regularidade também já não é o que era.
O blog vive muito da aliança entre conhecimento e fotografia, entre o explicar e mostrar. Qual é o ponto de partida habitual para um post no blog? Uma fotografia de um passeio ou um motivo de curiosidade pesquisado algures?
Varia muito. Posso sair com o propósito de fotografar algo em particular. Ou num passeio posso, por exemplo, encontrar uma espécie nova e depois pesquisar informações sobre ela, ou encontrar espécies que já conhecia, mas que ainda não tinha fotografado, ou encontrar algo que se preste a uma série de fotos a preto-e-branco.
Há muita Natureza no blog, mas a cidade também vai aparecendo aqui e ali, sobretudo quando se trata de arte urbana. Devíamos sentir mais curiosidade em relação às nossas cidades e à criatividade que podem fomentar?
Seria bom que sentíssemos. A presença da cidade é inevitável porque é onde vivo, mas também é propositada. Há imensa natureza na cidade. Esta natureza é um óptimo ponto de partida para se conhecer, apreciar e proteger a biodiversidade. Aliás, a atenção dada à biodiversidade urbana está a aumentar em muitas cidades europeias, como acontece com o aumento de apicultores urbanos em Londres, ou com a «renaturalização» de Barcelona, que incluiu acções como a plantação de espécies adequadas à fauna da cidade, a publicação de um atlas da biodiversidade, sensos de borboletas, «hotéis» para morcegos, aves e insectos. Tudo isto se faz de forma mais eficaz quando se tem presente que o ser humano faz parte da natureza. Na Arca, esta mensagem está implícita nos muitos posts que abordam a maneira como a natureza influencia, e se interliga com, as actividades humanas.
Ao nível da fotografia, nota-se o cuidado na qualidade do registo e da seleção das imagens que aparecem no blog. Como surgiu esse refinamento? É algo que foi aperfeiçoando sozinho?
Há uma parte que podemos fazer sozinhos. Podemos praticar. Há muitos livros e infindáveis tutoriais de fotografia na Internet, e aprende-se bastante a observar as fotografias dos outros. Mas para mim, ao início, foram fundamentais os workshops que fiz no Instituto Português de Fotografia. E é sempre bom ter alguém com quem conversar sobre fotografia, nem que seja numa comunidade fotográfica online.
Ainda no tópico da fotografia, é muito frequente no nosso bairro encontrar autores que são muito defensivos das suas fotografias e conteúdos. Marcas de água, tamanhos reduzidos, etc. Formas legítimas de proteger conteúdos de cópias, mas que correm o risco de se sobrepor ao que é mostrado. Na Arca, não há nada disso. Porquê?
É principalmente uma questão estética: não gosto de ver marcas de água nas fotos dos outros, porque me distraem, e por isso não as coloco nas minhas. Mas eu não vivo da fotografia. Se vivesse, provavelmente também incluiria uma marca de água nas minhas fotos. De qualquer modo, as fotos estão reduzidas, tanto para melhorar a velocidade de abertura das páginas, como para evitar que sejam vendidas em bancos de imagens e sites de fotografia artística.
Em 2020, a Arca aportou no SAPO. Como tem sido a experiência no nosso bairro?
Muito boa. Na vertente técnica, ao início tive todo o apoio de que precisei. Na vertente «social», tem sido muito bom descobrir alguns dos outros blogs do Sapo.
Falando da receção ao blog, que tipo de feedback é que um blog como a Arca recebe normalmente? No arquivo, há algum feedback (mais inesperado, por exemplo) que se tenha destacado?
O feedback que mais me diverte aconteceu principalmente nos primeiros anos do blog, quando encontrava algum amigo que, sabendo do meu interesse pela natureza, começava a contar uma história ou curiosidade que lera, mas que já não se lembrava onde — e tinha sido na Arca.
O país está em confinamento, e por isso aproveito para perguntar: como é que alguém que gosta de caminhar e observar a natureza, se protege contra o tédio e a repetição deste quotidiano limitado?
No primeiro confinamento, de forma mais ou menos inconsciente e gradual, fiz algo que entretanto percebi que muitíssimas outras pessoas também fizeram, que foi aumentar consideravelmente o número de plantas que tenho em casa. Neste confinamento usufruo e cuido delas. E também tenho aproveitado para rever alguns episódios da série «O Belo e a Consolação», que passou na televisão portuguesa (SIC) há cerca de 20 anos, e que recomendo vivamente («Of Beauty and Consolation» — o título é o pretexto para 25 entrevistas a pessoas proeminentes em áreas como a biologia, física, música ou filosofia. A série voltou a estar disponível no YouTube, na versão original: as entrevistas são em inglês, mas o jornalista faz uma introdução de cerca de 1 minuto em holandês. O episódio 3 é com Jane Goodall).
Obrigado, Miguel!